Egresso da Unioeste recebe prêmio nacional de melhor tese em Sociologia Rural
O egresso do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), campus de Toledo, André Luiz de Souza, foi reconhecido nacionalmente com o Prêmio Professor José Gomes da Silva de melhor tese em Sociologia Rural, concedido pela Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER). A premiação consagra a relevância de sua pesquisa de doutorado, desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que analisa as estratégias de comercialização no assentamento Ander Rodolfo Henrique no Paraná e suas implicações na construção da autonomia das famílias assentadas.
Filho de agricultores assentados da reforma agrária, o pesquisador viveu no assentamento até 2012 e teve sua trajetória marcada pela militância no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre 1998 e 2008. Foi dessa vivência que nasceu a inquietação que orientou sua pesquisa: por que os estudos sobre reforma agrária pouco abordam os mercados acessados pelos agricultores assentados? A resposta a essa lacuna foi transformada em objeto de investigação sob orientação do professor Dr. Sergio Schneider, referência na área.
Ao comentar o significado do prêmio, o pesquisador destaca o duplo reconhecimento, individual e coletivo. “Sou o primeiro doutor da minha família. Essa conquista simboliza que sujeitos historicamente marginalizados também podem produzir ciência de qualidade, desde que tenham acesso a uma universidade pública, gratuita e de qualidade”, afirma. A trajetória acadêmica foi toda construída na Unioeste, onde cursou licenciatura, bacharelado e mestrado em Ciências Sociais, com orientação dos professores Dr. Eric Cardin e Dr. Miguel Ângelo Lazaretti. “A Unioeste foi decisiva na minha formação intelectual e humana. Foi na Instituição que se forjou o sociólogo que emergiu do oeste do Paraná e o sujeito que saiu da luta pela terra”, completa.
“A Unioeste, como tantas outras universidades públicas, cumpre um papel estratégico no Brasil: ela forma sujeitos críticos, promove a democratização do conhecimento e rompe barreiras históricas de exclusão. O prêmio que recebi não é apenas meu; ele é também da educação pública brasileira, dos professores comprometidos e das universidades que seguem resistindo aos desmontes e formando gerações capazes de pensar e transformar o país”, ressalta.
A tese de André aplica o método da “anatomia dos mercados” para analisar os canais de comercialização utilizados por 108 famílias assentadas no assentamento paranaense. Os dados revelam que 97% das vendas se concentram em canais convencionais, como cooperativas empresariais (58%) e atravessadores (29%). Já os canais institucionais (como o Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE) e os de proximidade, com alto potencial de fortalecimento da autonomia dos agricultores, representam apenas 3% das vendas.
Para o autor da tese, compreender a autonomia dos agricultores implica ir além da posse da terra: trata-se de investigar o grau de agência e poder de decisão que os sujeitos desenvolvem nas trocas de mercado. A autonomia, nesse sentido, é vista como um fenômeno concreto e relacional, construído a partir de recursos materiais, sociais e simbólicos. “Famílias que não diversificam seus canais ficam sujeitas aos interesses de agentes econômicos externos, o que compromete sua capacidade de ação e reduz sua resiliência”, avalia.
O trabalho também apresenta contribuições metodológicas e políticas. Ao mapear os mercados acessados, o pesquisador identifica não apenas os gargalos enfrentados pelos agricultores, mas também as falhas das políticas públicas voltadas à agricultura familiar.
A pesquisa propõe ainda uma reinterpretação da reforma agrária no século XXI: não apenas como política de redistribuição de terras, mas como estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. Ao mostrar que assentamentos podem ser espaços de inovação econômica e social, o trabalho dialoga com a teoria das capacidades de Amartya Sen, defendendo que a verdadeira liberdade passa pela ampliação da autonomia econômica e política dos sujeitos do campo.
Atualmente, o egresso atua como docente no Instituto Federal do Acre (IFAC), campus Cruzeiro do Sul, na Amazônia Ocidental. Na região, dá continuidade às investigações iniciadas na tese, agora voltadas às dinâmicas dos mercados vinculados à sociobiodiversidade e às cadeias produtivas da bioeconomia regional. A intenção é construir conhecimento aplicado que dialogue com os desafios concretos da região, articulando ensino, pesquisa e extensão. “A Amazônia é um laboratório vivo para novas formas de economia territorial, que precisam ser inclusivas e sustentáveis”, afirma.
A tese "A construção da autonomia através das relações com os mercados: um estudo sobre as estratégicas de comercialização no Assentamento Ander Rodolfo Henrique na região oeste do Paraná", pode ser consultada através do link: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/283165
Texto: Alexsander Marques