Simpósio discute direito de morrer sem dor
“Quando sabemos que estamos partindo, queremos viver cada momento em sua essência No Hospital mesmo, na época de internamento, eu me lembro do quanto significava abrir uma janela, sentir o vento, um chuvisco, um ar no rosto. Tudo passa a ter outro significado, outro sentido de vida”. É o que disse Luciana Aparecida da Silva, incluída na lista da Equipe de Cuidados Paliativos do Hospital Universitário do Oeste do Paraná, num depoimento corajoso para mais de 300 profissionais da saúde, no I Simpósio de Cuidados Paliativos do Oeste do Paraná, realizado no último final de semana, no auditório da Faculdade Assis Gurgacz.
Luciana tem Síndrome do Intestino Curto e já perdeu a função renal. Atualmente ela é paciente da ECP do HUOP. Além dela, a professora aposentada Maria da Graça Pelegrinello também emocionou os participantes ao relatar a importância do CP para atravessar os últimos dias de vida do marido e companheiro de mais de 40 anos, Darcy Peregrinello, que partiu há pouco mais de um mês
Darcy lutava contra um câncer, diagnosticado com metástase, havia seis anos. As duas filhas e três netas também se integraram ao CP e hoje Maria da Graça diz conviver de forma mais consciente e leve com o luto. “O meu marido estava preparado, eu estava mais preparada. Teve saudade, choro, sim teve, mas de uma forma consciente. Eu digo, que quando nascemos atravessamos uma porta de vidro, quando morremos uma de diamante”. Os depoimentos corajosos de Maria da Graça e Luciana iniciaram a série de palestras e mesas redondas sobre o assunto.
Luciana está incluída no processo de ortotanásia (vide texto nesta página), ou seja, processo natural de morte. Ela já deixou subscrito o desejo de não ser ressuscitada em caso de Parada Cardíaca ou ter sua vida prolongada por ajuda de aparelhos. “A minha doença e incurável e eu decido como quero morrer”.
Em resumo, os profissionais foram unânimes em reproduzir a frase de Cicely Saunders, médica que dedicou sua vida ao alívio do sofrimento humano, em fase terminal. “O sofrimento humano é intolerável quando ninguém cuida”
Os palestrantes também falaram da Política Nacional de Cuidados Paliativos para o SUS (Sistema Único de Saúde), aprovada em reunião da Comissão Intergestores Tripartite (CIT) em 2018.
A resolução estabelece como principais metas oferecer cuidado paliativo de qualidade e baseado em evidências, seguindo a definição da OMS para toda a Rede de Atenção à Saúde. A política envolve Ministério da Saúde, Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS), Conselho Federal de Medicina (CFM) e lideranças em Cuidados Paliativos.
O evento foi promovido pela Liga Acadêmica de Cuidados Paliativos da Unioeste (Pallium) e Liga Acadêmica da FAG (LACP) com objetivo de contribuir com a prática profissional voltada à área.
Conceito
Os palestrantes explicaram que p conceito de cuidados paliativos está sendo ampliado ao longo dos anos. Antes, o tratamento era entendido apenas como um acompanhamento quando o paciente não tinha alternativa de cura. Agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o monitoramento das necessidades do paciente e o acolhimento à família devem ser feitos a partir do diagnóstico como parte de uma necessidade humanitária urgente para pessoas com doenças graves.
Os profissionais de CP firmam que a maioria ainda não sabe lidar com a situação de morte próxima. Por isso, dizem, abrir o tema à discussão mais ampla é uma maneira de estabelecer um caminho no País para formação de profissionais que queiram participar de CP.
Os médicos falaram que é necessário desenvolver uma escuta empática e jamais dizer o termo” não há nada mais o quê fazer”. Segundo ele, há muito que se fazer para que os pacientes em fase terminal passem por esta fase com toda a dignidade possível.
A ECP do HUOP é composta por grupo multidisciplinar na área de saúde, e visa diminuir a dor e tantos sentimentos contraditórios dos que atravessam a fase de despedir-se de uma pessoa querida ou mesmo de saber que está concluindo sua passagem pela Terra.
Entre os palestrantes, estavam os médicos paliativistas Gabriel Kreling e Thiago Giancuri, do HUOP e como convidados o médico paliativista Henrique Ramos Grigio, coordenador do Serviço de Paliação do Hospital Samaritano, enfermeira Dra. Inês Gimenes Rodrigues (UEL) e a psicóloga Tatiana Brum (equipe de cuidados paliativos do Hospital do Câncer de Londrina), entre outras participações, como a do coordenador da UTI da Uopecann, Péricles Duarte.
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Direito à morte natural
Durante o simpósio os palestrantes e debatedores abordaram conceitos, como a Eutanásia , morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre, prática ilegal no Brasil, já que ao invés de deixar a morte acontecer à eutanásia age sobre a morte, antecipando-a. Não há, em previsão legal para a eutanásia, contudo se a pessoa estiver com forte sofrimento, doença incurável ou em estado terminal dependendo da conduta, pode ser classificada como homicídio privilegiado.
Outro conceito distanásia é o prolongamento artificial do processo de morte e por consequência prorroga também o sofrimento da pessoa.
Os cuidados paliativos são classificados como ortotanásia pelo seu processo natural. Neste caso o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural. Assim, ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia).
Os participantes esclareceram que somente o médico pode realizar a ortotanásia e nesse caso ainda não está obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste e muito menos aprazar sua dor.
Texto Mara Vitorino
Foto Mara V.
Legenda: Médico Tiago Giancurse, na abertura de evento na FAG.
Foto: Mara Vitorino.