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Evento no campus de Foz coloca em pauta dois anos da Lei de Migração

Promovido pela Clínica de Direitos Fundamentais Sociais e Migração, colóquio promoveu debate e troca de experiências sobre avanços e desafios que persistem na integração de migrantes no Brasil


Promover o debate, a troca de conhecimento e o compartilhamento de relatos e experiências de pesquisa sobre a Lei de Migração, que em maio de 2019 completou dois anos. Estes foram os objetivos do Colóquio Direitos Fundamentais e Migração: Dois anos da Lei de Migração, realizado nos dias 27 e 28 de maio no campus de Foz do Iguaçu da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

O evento foi promovido pela Clínica de Direitos Fundamentais Sociais e Migração, atividade de extensão da Unioeste do Campus de Foz do Iguaçu. Com o contato e a troca de experiências, o evento também reforçou a criação de uma rede integrada e fortalecida para a pesquisa sobre o tema na região. O colóquio contou com a presença de cerca de 150 pessoas, a maioria estudantes e pesquisadores do tema.

Cidadania

A primeira mesa do evento teve como tema Cidadania e Regularização Documental, e contou com a participação do chefe substituto do Núcleo de Imigração da Polícia Federal (NUMIG) em Foz do Iguaçu, Nelson Machado Junior, da advogada Priscila Dutra Dias e do presidente da Associação de Venezuelanos em Foz do Iguaçu (ASOVENFI), Jesus Delgado.

Segundo o representante do NUMIG, a atual Lei de Migração, que revogou o Estatuto do Estrangeiro, representa um importante avanço na forma com que pessoas migrantes passaram a ser vistas no país, assim como a garantia em lei de muitos direitos que antes não existiam. “A política migratória nasceu da reserva de mercado nacional, onde admitíamos estrangeiros desde que não prejudicassem brasileiros quanto ao mercado de trabalho”, afirmou. “A Lei de Migração atual vê o estrangeiro como uma pessoa de direito. Essa lei é uma lei de regularização. O que era proibido no passado, hoje é permitido e licenciado, com princípios e garantias”, completou. Entre os princípios apontados por Machado estão a não criminalização da migração e a acolhida humanitária.

A possibilidade de se organizarem em associações também está na atual Lei de Migração, mas nem sempre é do conhecimento de profissionais que trabalham em serviços de atendimento a pessoas migrantes. Foi com esse desafio que a advogada Priscila Dutra Dias conviveu por mais de seis meses, na tentativa de registrar em cartório a Associação de Venezuelanos de Foz do Iguaçu. “A Lei de Migração traz muitos direitos e deveres, mas ainda é muito difícil de fazer acontecer. Isso tem mudado aos poucos. Hoje, muitos procuram porque não conseguem acessar a saúde, outros como forma de encaminhar crianças sem documentação para as escolas”, explica. Após seis meses de tentativas e diálogo com o cartório, de embates sobre o que havia mudado na atual legislação e de estudo sobre a Lei de Migração, a ASOVENFI foi formalmente registrada em janeiro de 2019.

“A associação foi criada com a intenção de atender venezuelanos que vivem hoje em Foz, dar informações corretas e oferecer suporte”, completou o presidente da ASOVENFI, Jesus Delgado. Para ele, que hoje vive com a família em Foz do Iguaçu depois de um processo de reintegração familiar, é fundamental que haja o apoio de órgãos públicos para que migrantes que chegam ao Brasil consigam saber efetivamente sobre seus direitos e tenham algum suporte para acessar serviços básicos, como trabalho e moradia digna. “O principal desafio que hoje temos como associação é que a maioria, cerca de 90% dos associados, são profissionais dispostos a trabalhar, mas que ainda não encontraram emprego. Estamos tendo integração com a Casa do Imigrante e com a assistência social, para tentar dar abrigo a venezuelanos que chegam. Como não tem espaço e ainda há dificuldade de trabalho, muitos acabam morando na rua, e isso pode piorar se não for dada a atenção devida”, completou.

“Muitas vezes somos forçados a migrar, principalmente pela situação econômica”, afirma Ronny Hernandez, venezuelano que há poucas semanas mudou-se para Foz do Iguaçu e que assistiu à mesa de debate. “Nós somos seres humanos como vocês, com casa, família. Cada um de nós deixou algo para trás. A emigração chega a quase 30% do nosso país hoje, e o Brasil, por ser fronteiriço, acaba sendo um lugar natural de destino”, declara. Ele veio de Roraima com todos os documentos brasileiros regularizados e aguarda pela autorização de residência permanente. Formado em Economia, ele reforça o quadro de migrantes desempregados no Brasil.

Dignidade

 

Não basta apenas oferecer oportunidades de emprego, é necessário que o trabalho seja decente e digno. Foi esta a conclusão da segunda mesa de debates, que teve como tema Trabalho Decente e Migração, e que contou com a participação dos Procuradores do Trabalho Cláudia Honório e Fabrício Golçalves de Oliveira, e do Auditor Fiscal do Trabalho Marcos Lázaro Calixto.

“Trabalho Decente é uma definição da Organização Internacional do Trabalho. Eu prefiro falar sobre Trabalho Digno, que é o que respeita e promove a pessoa humana e sempre considera a sociedade em que ela vive. Falar de trabalho é falar da participação social do trabalhador”, destacou a procuradora Cláudia Honório. Para ela, a Lei de Migração é um passo importante na busca por inclusão do imigrante nas esferas social, laboral e produtiva, por meio de políticas públicas – embora os aparelhos estatais ainda não estejam preparados para tirar os direitos e discursos do papel e colocar na realidade.

A procuradora também destacou a situação de vulnerabilidade que leva muitos imigrantes a trabalhos degradantes e até análogos à escravidão. “Muitas vezes é o trabalho que permite que o imigrante fique no país. Por isso, muitas vezes ele acaba se sujeitando a jornadas excessivas, a remuneração baixa e a outras violações de direitos”, ressaltou. “Não basta contratar o migrante, tem que se promover o ambiente agradável de trabalho para todos”, completou.

“A escravidão, além de ser nefasta para o ser humano, assim como outras formas de exploração, faz com que o empregador lucre e ganhe concorrência, ganhe vantagem, já que acaba sem custos com trabalhadores”, complementou o procurador Fabrício Golçalves de Oliveira. Segundo ele, o Ministério Público do Trabalho tem buscado a formalização de trabalhadores em caráter igualitário com brasileiros, além da promoção de políticas públicas e da atuação conjunta com outros órgãos.

“Normalmente o migrante é visto como um problema. É preciso refletir sobre isso, porque historicamente temos muitos exemplos de que a migração fortalece o país”, destacou o auditor fiscal do Trabalho Marcos Lázaro Calixto. “Ao meu ver, a pessoa migra para ser feliz. Ninguém sai da sua terra se não for para melhorar de vida. E todos têm o direito de ser feliz. Uma vez migrando, a pessoa não será necessariamente um problema. Ela pode, inclusive, trazer solução para muitos problemas nacionais”, completou.

Pesquisa e extensão

 

Compartilhar experiências que aliam pesquisa e extensão foi o objetivo do segundo dia do evento, composto por uma roda de conversa com pesquisadores. Participaram da mesa a professora Carolina Spack Kemmelmeier, da Clínica de Direitos Fundamentais, Sociais e Migração, o professor Eric Cardin, do Laboratório de Pesquisa em Fronteiras, Estado e Relações Sociais (Lafront), e o professor Julio Moreira, que está à frente do grupo de estudos sobre mobilidade urbana na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).

“Grupos de pesquisa costumam ser formais, mas muito pouco práticos. O Lafront surgiu dessa necessidade de fazer um grupo que funcionasse como um espaço de formação e que garantisse a aproximação dos colaboradores com o que se pesquisa – por isso é um laboratório”, explicou Cardin. Criado em 2007, o Lafront atua em diferentes frentes, desde o desenvolvimento de projetos individuais de pesquisa até o projeto Diálogos, onde pesquisadores realizam entrevistas coletivas e interagem constantemente com a sociedade civil organizada.

Mais recente, a Clínica de Direitos Fundamentais, Sociais e Migração foi criada em 2017 com o objetivo de ampliar a experiência de acadêmicos de Direito da produção de pesquisa e aproximar o contato com a comunidade. Hoje, o grupo conta com pesquisadores de diferentes áreas e tem focado nas questões ligadas à migração e direitos. “Começamos a Clínica com foco em direitos fundamentais sociais – trabalho, saúde e educação. Hoje, o grande diferencial é o contato com migrantes e o desejo de aprofundar na pesquisa de campo”, explica a professora Kemmelmeier.

Na UNILA, o grupo de trabalho do professor Moreira busca entender a fronteira e suas dinâmicas e a formação de fronteiras no município Foz do Iguaçu. O grupo busca entender não apenas as questões de mobilidade, mas também as formas de interação e transculturalidade que a migração proporciona. “Quando migrantes chegam, existe algo que muda na região e na cidade. Vimos isso recentemente com haitianos, estamos vendo agora com venezuelanos. O olhar da cidade para os migrantes é profundo. Ele impacta, inclusive de forma negativa algumas vezes, com violência”, comentou o professor.

Durante os dois dias de evento, também foram arrecadados alimentos não perecíveis, que serão destinados a estudantes migrantes que estão em situação de vulnerabilidade.

Texto e foto: Assesoria de Comunicação Foz do Iguaçu

Coloquio Direitos Fundamentais e Migracao

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